A Dinâmica da Distribuição de Renda Brasileira - PDF Download grátis (2024)

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1 A Dinâmica da Distribuição de Renda Brasileira Erik Alencar de Figueirêdo Aluno do Curso de Doutorado em Economia Bolsista CNPq - Brasil Programa de Pós-Graduação em Economia Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. João Pessoa, 52/3 andar, , Porto Alegre - RS - Brasil Endereço Eletrônico: eafigueiredo@gmail.com Flávio Augusto Ziegelmann Departamento de Estatística Programa de Pós-Graduação em Economia Universidade Federal do Rio Grande do Sul Av. João Pessoa, 52/3 andar, , Porto Alegre - RS - Brasil Os autores gostariam de agradecer aos professores Peter Steiner, Suzi Camey, Marcelo S. Portugal, Sabino Pôrto Junior, Edilean Kleber Aragón e José L. Netto Junior. Entretanto, erros e omissões são de nossa inteira responsabilidade.

2 A Dinâmica da Distribuição de Renda Brasileira Resumo: Este estudo busca mensurar o grau de mobilidade de renda no Brasil no período de 1987 a Para tanto, serão considerados a abordagem axiomática da mobilidade e o instrumental dinâmico proposto por Aebi, Neusser e Steiner (1999). Os cálculos da matriz de transição markoviana e dos índices de mobilidade indicam que o Brasil apresenta uma baixa mobilidade intrageracional de renda, sugerindo que sua estrutura social é relativamente rígida. Palavras-chave: Mobilidade de renda; Matriz de transição; Índices de mobilidade. Classificação no JEL: E24; O15; C61. Abstract: This paper aims to measure the degree of income mobility in Brazil in the period from 1987 to To achieve that, it was considered the axiomatic mobility approach and the dynamic tool suggested by Aebi, Neusser and Steiner (1999). The transition probability matrix calculations and its mobility index indicate that Brazil presents low intergenerational income mobility, suggesting that Brazilian social structure is relatively rigid. Keywords: Income mobility; Transition probability matrix; Mobility indices. JEL Classification: E24; O15; C Introdução A alta e persistente iniqüidade de renda brasileira tem tomado lugar de destaque no cenário internacional. Isto porque, após sofrerem um grande impulso na década de 1960, os indicadores de concentração de renda mantiveram-se em patamares elevados e estáveis no período compreendido entre 1970 e Tal característica tem contribuído para a permanência do Brasil no topo do ranking mundial da desigualdade, fazendo do país uma referência negativa no aspecto da distribuição dos rendimentos. 1 Entretanto, algumas transformações recentes vêm provocando uma reversão desta tendência, caracterizando um ponto de inflexão na trajetória das medidas de desigualdade. 2 Neste contexto, destacam-se os efeitos diretos e indiretos do Plano Real, ou seja: a) o controle da inflação e a conseqüente estabilidade econômica foram determinantes para a redução dos 1 Ver Neri (2006) e United Nations Development Program (2006). 2 Esta mudança torna-se visível a partir de 2001, onde os indicadores declinam para os níveis mais baixos desde a metade da década de Para detalhes, ver o endereço eletrônico do Instituto de Pequisa Econômica Aplicada: 2

3 índices de concentração ao mesmo tempo que criaram um cenário favorável para a adoção dos programas de transferência de renda 3 e; b) os impactos do processo de abertura comercial e a resultante alteração na estrutura de qualificação dos trabalhadores, com rebatimento direto sobre a distribuição salarial. 4 Tais características fomentam a curiosidade científica e popular em torno do fenômeno da distribuição dos rendimentos brasileiros, justificando a implementação de um estudo direcionado a esta temática. Porém, convém ressaltar que a adoção de uma estratégia voltada para à compreenção da distribuição da renda deve considerar dois elementos: a) o estático, associado ao nível de desigualdade, geralmente captado por indicadores de concentração e; b) o dinâmico, relacionado à noção de mobilidade de renda. 5 A separação entre os dois campos de pesquisa constitui uma importante referência para a execussão de um trabalho empírico. É sabido que a maioria dos estudos buscam investigar a distribuição de renda apoiando-se no conceito de desigualdade, sem preocupar-se com o seu complementar. No entanto, as discussões em torno do conceito e da origem da mobilidade de renda, bem como os esforços no sentido de sua mensuração, têm ocupado cada vez mais espaço na literatura econômica. A mobilidade pode ser entendida como a evolução da desigualdade ao longo do tempo, dado que, na prática, os indivíduos e/ou famílias mudam constantemente suas posições econômicas. Esse movimento, por sua vez, pode estar associado a diversos fatores: ciclos econômicos, modificação do nível educacional, promoções, migração, divórcios, entre outros. Como já ressaltado, um número crescente de estudos tem se preocupado com a discussão da mobilidade de renda. Grosso modo, a literatura pode ser dividida em três grupos de pesquisa: a) o primeiro, denominado de abordagem axiomática, ocupa-se com a formulação de índices e com a discussão de suas propriedades. Neste contexto, podem-se citar as contribuições de Shorrocks (1978), Bartholomew (1982), Geweke, Marshall e Zarkin (1986) e Fields e Ok (1996); b) o segundo grupo busca a associação entre a dinâmica da desigualdade e o nível de bem-estar econômico. Os estudos de Atkinson (1981), Atkinson e Bourguignon (1982), Dordanoni (1992) e Gottschalk e 3 Ver Barros, Henriques e Mendonça (2001) e Neri (2006). 4 Ver Figueirêdo, Netto Junior e Pôrto Junior (2007). 5 O conceito de mobilidade de renda pode ser melhor entendido a partir da analogia do hotel de Joseph Schumpeter: suponha que um determinado hotel possua quartos mais luxuosos nos andares de cima e de baixa qualidade nos andares inferiores. Logo, quanto mais alto o andar, melhor a qualidade dos quartos. Suponha ainda que os indivíduos ao entrarem no hotel, ocupam os quartos de baixo e, com o passar do tempo, vão mudando para o andar imediatamente superior. Sendo assim, a desigualdade estaria associada à quantidade de andares e à sua distribuição entre os hóspedes. Já a mobilidade diz respeito ao grau em que os indivíduos mudam de andar ao longo do tempo. 3

4 Spolaore (2002) constituem uma importante referência para esse tópico e; c) por fim, o terceiro grupo que destaca as investigações empíricas que, embora sejam constituídas de um grande número de estudos, utilizando-se de diversas metodologias, restringem-se a um pequeno grupo de países. 6 Neste contexto, a investigação empírica merece uma atenção especial. A extração de informações dinâmicas requer que uma amostra de indivíduos seja observada em diversos pontos no tempo (ou pelo menos em dois). Em outras palavras, é necessário que o painel de dados identifique cada pessoa (ou família) durante um determinado período. Tal exigência, aliada à inexistência de painéis de dados com estas características, fizeram com que esse campo de pesquisa fosse, sistematicamente, negligenciado pela literatura empírica brasileira. Felizmente, algumas abordagens estatísticas propõem soluções para este impedimento. 7 Para tanto, necessitam-se, apenas, das informações percentuais dos indivíduos em cada estrato de renda ano a ano. Em sua maioria, os métodos de estimação têm como resultado uma matriz de transição markoviana, que, por sua vez, possibilita a geração de um indicador de mobilidade nos moldes de Shorrocks (1978). Tendo esses fatos como suporte, conclui-se que uma agenda de pesquisa orientada para a investigação da distribuição de renda brasileira deve abranger as duas dimensões deste fenômeno. Em um estudo recente, Figueirêdo e Ziegelmann (2006) cumprem uma parte desta exigência. Em resumo, os autores detectaram, a partir de intrumentais estáticos, uma alteração significativa na distribuição dos rendimentos no Brasil, caracterizada pelo incremento dos estratos de renda intermediários, em detrimento das extremidades. Este movimento, por sua vez, mostrou-se compatível com um nível maior de bem-estar econômico. No entanto, não obstante a importância destes resultados, o estudo silencia no que se refere à mensuração da mobilidade. Com vistas a preencher este espaço, este estudo tem como objetivo mensurar o grau de mobilidade de renda no Brasil no período de 1987 a Para tanto, serão consideradas a abordagem axiomática da mobilidade e a construção da uma matriz de transição markoviana, a partir do instrumental dinâmico desenvolvido por Aebi, Neusser e Steiner (1999). Em seguida, serão efetuados os cálculos dos índices de mobilidade contidos em Prais (1955) e Shorrocks (1978). 6 Mais especificamente aos casos norte-americano e alemão. Sugerem-se às leituras de Gottschalk (1997), Trede (1998), Morillo (1999) e Aebi, Neusser e Steiner (2001). 7 A maioria dos estudos baseia-se no cálculo de entropias relativas à excessão de Lee, Judge e Zellner (1977). Ver Adelman et al (1994), Golan, Judge e Miller (1996) e Aebi, Neusser e Steiner (1999). 4

5 Por fim, o artigo está organizado como segue. A segunda seção discute as suposições relacionadas às propriedades markovianas. A terceira seção é destinada à apresentação dos métodos de inferência. A quarta é reservada para a apresentação e discussão dos resultados. As considerações finais serão realizadas na quinta seção. 2. Distribuição de Renda: Análise Dinâmica O principal objetivo de um estudo relacionado à mobilidade econômica é quantificar o movimento da distribuição do bem-estar ao longo do tempo. Neste contexto, destacam-se quatro aspectos metodológicos. Primeiro, os dados referentes às unidades econômicas devem ser identificados e acompanhados ao longo do tempo. Segundo, a análise pode ser empregada em uma grande variedade de unidades econômicas. Normalmente, utilizam-se indivíduos ou famílias. Terceiro, várias dimensões do bem-estar podem ser investigadas, no entanto, a dimensão renda é a mais utilizada. Finalmente, os estudos concentram-se na comparação do ano inicial com o ano final. Tais características favorecem a utilização das matrizes de transição markovianas como uma ferramenta de captação do grau de mobilidade econômica. Entretanto, sua adoção carrega consigo uma hipótese fundamental: a evolução da distribuição de renda, ao longo do tempo, será governada por um processo de Markov de primeira ordem. Sendo assim, a distribuição dos rendimentos seguirá um processo estocástico representado por uma matriz de transição que, sob certas circunstâncias, convergirá para um equilíbrio independente da distribuição inicial. Nesta seção, serão destacadas as principais suposições relativas a este modelo. Para tanto, considera-se, como ponto de partida, uma matriz hipotética A, representando a transição da renda entre dois pontos no tempo (I e II): A = A matriz de transição constitui a base para os modelos de cadeias de Markov. Os elementos de A representam a proporção dos indivíduos que estavam na classe i no ano I e migraram para a classe j no ano II, ou seja, a probabilidade de transição (p ij ). Sendo assim, observando a primeira linha da matriz, pode-se afirmar que o indivíduo que se encontrava no primeiro quintil de renda no ano I possui as seguintes probabilidades de transição: 64% de permanecer no mesmo patamar; 29% de transitar para o segundo 5

6 estrato; 4% de passar para o terceiro; 3% de ir para o quarto estrato e; probabilidade igual a zero de alcançar o topo da distribuição. Uma análise similar pode ser empregada nas outras linhas da matriz. Estabelecida a base para o modelo markoviano, destacam-se as seguintes suposições: (S1) hom*ogeneidade da população: a probabilidade de transição é igual para todos os indivíduos pertencentes à classe de renda investigada. (S2) Processo Markoviano de Primeira Ordem: a posição atual dos indivíduos, tempo m, dependerá apenas do passado imediatamente anterior (m 1). (S3) hom*ogeneidade do Tempo: as probabilidades de transição, p ij, permanecerão constantes o longo do tempo. Desta forma, o processo de evolução da renda poderá ser descrito por n(t m ) = n(t m 1 )P. Onde n(t m ) representa o vetor de proporções de pessoas em cada classe de renda, m períodos depois de iniciado o processo. Como já ressaltado, sob estas circunstâncias, o processo convergirá para um equilíbrio estacionário único, de forma que a distribuição de equilíbrio, n, não dependa da distribuição inicial n(t 0 ). A associação entre o processo markoviano e a distribuição de renda ao longo do tempo foi desenvolvida por Champernowne (1953). A partir de então, esta estratégia tem sido amplamente explorada pela literatura especializada. 8 Vale salientar que esta abordagem não constitui a única alternativa para a investigação da dinâmica da distribuição dos rendimentos. Alguns modelos não-markovianos podem ser encontrados na literatura como, por exemplo, o desenvolvido por Lydall (1974). 9 Realizada a apresentação das suposições referentes à dinâmica da distribuição de renda, resta discutir o método de estimação utilizado para inferir as matrizes de transição. Este ferramental e as dificuldades relativas à sua implementação, serão apresentados na próxima seção. 8 No âmbito da distribuição pessoal da renda, destacam-se, entre outros, Shorrocks (1976), Gottschalk (1997) e Aebi, Neusser e Steiner (2001). Já o estudo de Quah (1996) utiliza a abordagem de Markov para investigar o processo de convergência de renda entre as nações. 9 Em resumo, o autor sugere que a distinção entre a renda permanente e transitória pode invalidar algumas considerações do modelo. 6

7 3. Métodos de Inferência A discussão estabelecida na seção 2 destacou a adequação teórica das propriedades markovianas à evolução da renda ao longo do tempo e; o conseqüente favorecimento da utilização das matrizes de transição como uma ferramenta de captação do grau de mobilidade econômica. Entretanto, este último tópico merece uma atenção especial, pois a natureza dos dados nem sempre possibilita a implementação desta estratégia. Por exemplo, a análise da dinâmica de renda brasileira apresenta uma dificuldade considerável: a Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios (PNAD), principal fonte de dados, não fornece as informações relativas a cada indivíduo (ou família) ano a ano. Ou seja, o indivíduo na posição i no vetor do ano base (1987) não corresponde ao mesmo indivíduo na posição i no vetor do ano final (2005). É possível dispor apenas das informações percentuais referentes ao número de observações dentro de cada estrato de renda nos diversos anos considerados. Tal característica impossibilita a implementação de modelos baseados nas matrizes de transição markovianas tradicionais e parece ter inibido a pesquisa em torno da dinâmica da renda brasileira. Felizmente, alguns métodos alternativos estão disponíveis na literatura. Neste contexto, destacam-se os estudos de Lee, Judge e Zellner (1977), Adelman et al (1994) e Golan, Judge e Miller (1996). Recentemente, o instrumental, proposto por Aebi, Neusser e Steiner (1999), juntou-se às abordagens anteriores, apresentando, pelo menos, uma vantagem: a capacidade de extrair informações dinâmicas a partir de apenas dois vetores no tempo. Para tanto, considera-se que a transição de renda entre os dois períodos pode ser estimada otimamente a partir de critérios interativos, de modo a minimizar a distância entre os processos de transição de renda calculado e verdadeiro. O critério de otimização baseia-se no cálculo das entropias relativas, 10 ancorado no princípio fundamental da estatística mecânica, qual seja: o processo de transição de renda selecionado deverá representar a alternativa 10 Normalmente, este conceito é utilizado quando os dados apresentam algum tipo de limitação (observações incompletas, pequenas amostras ou má especificação do processo gerador). Entretanto, não obstante à sua importância, ele não é muito explorado pela literatura econométrica. Mesmo assim, alguns exemplos podem ser listados: a) White (1982) desenvolve um estimador de máxima verossimilhança para o caso de uma má especificação do modelo; b) Kitamura e Stutzer (1997) propõem um estimador similar ao de GMM, entretanto, com relativa robustez frente a pequenas amostras e; c) Golan, Judge e Miller (1996) sintetizam a utilização das entropias em diversas áreas da econometria (modelos lineares, não-lineares e dinâmicos). 7

8 mais provável dentro de todas as opções possíveis. 11 A subseção seguinte explorará, com maiores propriedades, os argumentos aqui apresentados e destacará a construção da matriz de transição markoviana. Na subseção 3.2, serão discutidos os índices de mobilidade contidos nos estudos de Prais (1955) e Shorrocks (1978) Dinâmica de Renda em Dados de Corte O objetivo desta subseção é apresentar o método de ajustamento proposto por Aebi, Neusser e Steiner (1999). Para tanto, deve-se considerar algumas suposições iniciais: a) a renda dos N indivíduos distintos segue uma seqüência de densidades {q t }, com t {0, 1,...}; b) a evolução desta distribuição de renda dá-se a partir de uma cadeia de Markov ao longo do tempo, com distribuição inicial q 0, e; c) cada densidade q t pode ser discretizada em k partições (estratos de renda). Com isso, a seqüência de k-vetores {(q 1,t,..., q k,t ) } possuirá as seguintes propriedades: q i,t 0 e k i=1 q i,t = 1, com t {0, 1,...}. Admite-se ainda que a proporção de indivíduos dentro de cada estrato de renda é observada em dois pontos no tempo, q t e q s, com s > t, e; que a transição de renda entre os dois períodos possa ser representada por uma densidade bi-dimensional F = (f i,j ) i,j=1,...,k. Onde, f i,j denotará a probabilidade do indivíduo estar na classe i no período inicial (t) e migrar para a classe j no período final (s). Neste contexto, F será um processo estocástico não-observado que representa a história da distribuição da renda entre os dois períodos. Isto posto, considera-se que a dinâmica da renda entre os períodos poderá ser captada, indiretamente, por uma matriz de transição de probabilidades P = (p i,j ) i,j=1,...,k e; pela proporção de indivíduos nos k estratos de renda no tempo (t), dada por ϑ = (ϑ 1,..., ϑ k ). Sendo assim, define-se a densidade F como o produto de uma distribuição arbitrária ϑ e uma matriz de transição P : F = diag(ϑ)p. [3.1] Onde o operador diag( ) transforma o vetor k 1 em uma matriz k k. Normalmente, a definição (3.1) não é compatível com as distribuições q t e q s, tornando necessária a implementação de um ajustamento. Ou seja, será considerado que a F -ajustada (F adj ) satisfaz: q t = F adj ι, q s = (F adj ) ι. [3.2] 11 Neste contexto, a captação da dinâmica da distribuição da renda será equivalente ao ajustamento das células de probabilidade para as tabelas de contigência, onde, só as distribuições marginais são observadas. Este problema da física mecânica foi amplamente explorado por estudos estatísticos. Para detalhes ver Aebi (1997). 8

9 Onde ι representa um vetor k 1 com todos os elementos iguais a um. As condições representadas em (3.2) são denominadas de restrições de continuidade ou condições inicial e final. Em resumo, o método de ajustamento, aqui discutido, consiste em: a) computar as probabilidades de observação de cada processo de transição de renda particular e; b) selecionar o processo com menor taxa de convergência para zero em probabilidade. Em outras palavras, supõe-se a existência de infinitas densidades F, cada uma associada a uma probabilidade de ocorrência 12 e; implementa-se um critério de otimização com o objetivo de selecionar a transição de renda mais provável. O cálculo das probabilidades é realizado a partir do método de máxima verossimilhança. Já a seleção da F mais provável deve considerar que a probabilidade de se observar um processo particular converge para zero na medida que o número de indivíduos tende para infinito (N ). Desta forma, admite-se o princípio dos grandes desvios, ou seja, a F adj escolhida deverá apresentar a menor convergência para zero em probabilidade, dentro do conjunto de todas as densidades bi-dimencionais (ζ). Vejamos o método de ajustamento com maiores detalhes. Como já ressaltado, o primeiro passo consiste na determinação da probabilidade de se observar uma transição de renda particular. Sob a hipótese de que as rendas dos N indivíduos são independentes, esta probabilidade será: F 11 F 12 k i,j=1 (ϑ i p i,j ) F i,j. Sabe-se que a transição de renda, dos N indivíduos, entre as densidades q t e q s, pode ser realizada a partir de diversos caminhos. Estas várias possibilidades são sintetizadas pelo arranjo: ( )( )( ) ( N N F11 N F11 F 12 N k j=1... F ) 1j... ( N k 1 i=1 F 13 k 1 j=1 F ij k 1 F kk j=1 F kj ) = F 21 N! k i,j=1 F ij!. Sendo assim, a probabilidade de realização de um trajetória particular (F ) será calculada a partir da seguinte fórmula: P N (F diag(ϑ)p ) = N! k i,j=1 F ij! k i,j=1 (ϑ i p i,j ) F i,j = N! k i,j=1 (ϑ i p i,j ) F i,j. [3.3] F ij! 12 Esta suposição é assegurada pelo estudo de Csiszár (1975), onde observa-se que o conjunto de densidades bi-dimencionais que satisfazem (3.2), denominado de ζ, contém infinitos elementos. 9

10 Estabelecido o cálculo das probababilidades, resta selecionar a transição de renda que mais se aproxime do processo verdadeiro. Para tanto, adotase uma hipótese fundamental da estatística mecânica: 13 a densidade bidimencional selecionada representará o processo de transição de renda mais provável dentre as demais densidades pertencentes a ζ. A consideração deste princípio será equivalente a minimizar a convergência de (3.3) para zero. Ou seja, minimizar: 14 lim N 1 N log P N(F diag(ϑ)p ) = H(ψ diag(ϑ)p ). [3.4] Onde ψ = ψ i,j denota a matriz F/N = F i,j /N. A função H( diag(ϑ)p ) é denominada de entropia relativa para a distribuição bi-dimencional ψ com respeito a diag(ϑ)p, sendo definida por: H(ψ diag(ϑ)p ) = k i,j ( ) ψi,j ψ i,j log. [3.5] ϑp Ellis (1986) demonstra que H( diag(ϑ)p ) é uma função não-negativa e estritamente convexa. Note que (3.5) possuirá um ínfimo igual a zero se ψ = diag(ϑ)p. Sendo assim, a entropia relativa mensura a distância entre os processos calculado (diag(ϑ)p ) e não-observado (ψ). Portanto, o processo de otimização consistirá na minimização de (3.5) sujeito às restrições de continuidade (3.2). O lagrangeano para este problema será: L = k i,j ( ) ψi,j ψ i,j log ϑ i p i,j k i,j k i,j λ i,t λ j,s k ψ i,j q i,t i,j k ψ i,j q j,s. i,j [3.6] Em (3.6), λ i,t e λ j,s são os 2k multiplicadores de Lagrange associados a restrição (3.2). De acordo com o corolário 3.3 de Csiszár (1975), o problema possuirá solução se pelo menos um dos processos de transição de renda satisfizer a restrição (3.2). A convexidade estrita da entropia relativa, por sua vez, garante a existência de uma solução única. A solução ótima é obtida a partir da diferenciação de (3.6) em relação a ψ i,j. Igualando a condição de primeira ordem a zero, obtem-se: F adj = Φ t F Φ s. [3.7] Para detalhes, ver o capítulo 1 de Ellis (1986). Para detalhes, ver o capítulo 1 de Golan, Judge e Miller (1996). 10

11 Onde Φ t = diag(φ 1,t,..., φ k,t ) e Φ s = diag(φ 1,s,..., φ k,s ) correspondem às exponenciais dos multiplicadores de Lagrange, associados às condições inicial e final. Na mecânica quântica, esses elementos são conhecidos como os multiplicadores de Schrödinger. 15 Note que, se todos os multiplicadores forem iguais a um, não haverá ajustamento, indicando que F satisfaz (3.2). Os multiplicadores de Schrödinger podem ser obtidos a partir da diferenciação (3.6) em relação a λ i,t, gerando o sistema de Schrödinger : 16 φ it ϑ i k p ij φ js = q it, j=1 ( k ) φ it ϑ i p ij φ js = q js. i=1 Feito isto, o cálculo da matriz de transição torna-se relativamente simples. Definindo P adj como a matriz de transição ótima e sabendo que no ponto de ótimo F adj = P adj q it, então, a partir de uma pequena manipulação algébrica e da consideração do sistema de Schrödinger, chega-se a: resultando em: P adj = F adj q it = φ it ϑ i p ij φ js φ it ϑ i k j=1 p ijφ js = P adj = p ij φ js k j=1 p ijφ js, Φ 1 s P Φ s. [3.8] Onde Φ s = diag( φ 1,s,..., φ k,s ) = diag( k j=1 p 1,jφ j,s,..., k j=1 p k,jφ j,s ) com P = (p ij ). Note que o ajustamento da matriz P só dependerá dos multiplicadores relacionados à condição final. A expressão (3.8) conterá as informações dinâmicas da renda no período considerado e sua análise segue os moldes das matrizes markovianas tradicionais Índices de Mobilidade de Renda Segundo Shorrocks (1978), o índice de mobilidade corresponde a uma função real M( ), definida sobre o conjunto de matrizes de transição P. A partir de então, alguns axiomas são impostos. (N) Normalização: 0 M(P ) 1, P P. (M) Monotonicidade: P P M(P ) > M(P ). 15 Ver Aebi e Nagasawa (1992) e Aebi (1996). 16 Este sistema é solucionado a partir de um critério computacional interativo denominado de Interative Proportional Fitting Procedure (IPFP). 11

12 (I) Imobilidade: M(I) = 0. (MP) Mobilidade Perfeita: M(P ) = 1, se P = ux, onde u = (1,..., 1) e x u = 1. O primeiro axioma restringe a variação do índice ao intervalo [0, 1]. O segundo associa as características da matriz de transição ao indicador de mobilidade. Ou seja, se uma matriz P apresentar uma maior mobilidade do que uma matriz P, ela será socialmente preferível ( ) e, necessariamente, seu índice será superior. Em outras palavras, como a probabilidade de movimento entre as classes de renda é representada pelos elementos situados fora da diagonal principal da matriz de transição, então, se p i,j p i,j, i j e p i,j > p i,j para algum i j, os índices de mobilidade para as matrizes serão: M(P ) > M(P ). Os dois últimos axiomas representam duas situações extremas. No primeiro caso, temos uma sociedade estática representada por uma matriz identidade. Logo, não há mobilidade entre as classes de renda. A situação oposta é observada na mobilidade perfeita, representada por uma matriz P, necessariamente, com linhas iguais. A partir destes axiomas, alguns índices são apresentados, destacamdo-se a medida proposta por Prais (1955): M P = r tr(p ). [3.9] r 1 Onde tr( ) representa o traço e r a ordem da matriz. Entretanto, Shorrocks (1978) levanta a seguinte questão: como realizar comparações entre matrizes com períodos diferentes? Ou seja, para que as comparações entre os níveis de mobilidade sejam coerentes, o indicador deve ser isolado do efeito do tempo (T ). Desta forma, será possível efetuar a análise sem preocupar-se com a dimensão do intervalo entre os dois pontos no tempo ( t ). Para isso, o autor introduz um novo axioma: (IT) Invariância no Tempo: M(P ; T ) = M(P t ; t T ), t 1. Ou seja, o indicador torna-se independente de uma observação particular no tempo, pois ele será compensado pelo tamanho do intervalo utilizado para a construção da matriz de transição. Dois índices são compatíveis com o novo axioma: M D = 1 det(p ) α/t, α > 0. [3.10] 12

13 Onde det(p ) corresponde ao determinante da matriz de transição P. segunda medida é representada por: A M L = 1 θ 2, [3.11] sendo θ 2 o segundo autovalor da matriz P. O Teorema 1 de Geweke, Marshall e Zarkin (1986) garante que os índices (3.10) e (3.9) serão compatíveis com a estrutura de axiomas N, M, I, MP e IT. Para tanto, basta que os autovalores de P sejam todos reais e não-negativos. Outra importante característica da matriz poderá ser capturada por: h = log 2 log θ 2, ou seja, pela velocidade de convergência da matriz calculada para a cadeia de Markov de equilíbrio. De uma outra forma, h pode ser interpretado como a meia vida para o processo de transição. Intuitivamente, uma estrutura rígida (baixa mobilidade) estará associada a um processo lento de convergência, ocorrendo o inverso no caso de mobilidade perfeita. Em suma, estes indicadores permitem a mensuração da mobilidade de renda a partir das matrizes de transição. Vale ressaltar que as alternativas apresentadas são válidas para processos discretos. Geweke, Marshall e Zarkin (1986) ampliam estes resultados para os processos markovianos contínuos. Esta alternativa, porém, não será considerada no estudo. 4. Resultados 4.1. Dados e Implementação do Processo de Otimização Este tópico tem como objetivos discutir a natureza e a manipulação dos dados e apontar as principais estratégias relativas ao processo de otimização implementado no estudo. Optou-se pela seleção da variável renda familiar, 17 oriunda da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo como base o mês de setembro dos respectivos anos. O primeiro passo foi o da conversão das moedas e o deflacionamento. 18 Para tanto, utilizou-se o procedimento sugerido por Corseuil e Foguel (2002). Duas observações devem ser feitas: a) o conceito de renda domiciliar e; b) o ajustamento por tamanho da família. Considerou-se como renda 17 Diversos trabalhos utilizam esta variável como objeto de análise, podendo-se citar, Jenkins (1995), Burkhauser et al (1999) e Aebi, Neusser e Steiner (2001). 18 Todos os valores estão expressos em Reais de janeiro de

14 domiciliar a soma de todos os rendimentos recebidos pelos indivíduos residentes no domicílio. Em segundo lugar, aplicou-se um ajustamento por tamanho da família. Tal ajustamento deu-se a partir da seguinte regra: R adj = R d /n ε. Onde, R adj é a renda ajustada; R d a renda domiciliar; n o número de pessoas no domicílio e; ε a elasticidade com respeito ao tamanho da família. O parâmetro ε está relacionado à existência de economias de escala. 19 Considerou-se um valor intermediário para a elasticidade (ε = 0, 5), seguindo uma orientação de Atkinson, Rainwater e Smeeding (1995). 20 Foram selecionadas apenas as rendas positivas e excluídos os outliers (rendas ajustadas acima de 50 mil reais). A análise da transição da renda será efetuada a partir de dois pontos no tempo que, no caso deste estudo, serão os anos de 1987 e As informações necessárias ao processo de estimação são sumarizadas nos vetores de proporção de indivíduos por estrato de renda. Onde, as partições (k = 10) representam os decis de renda, tendo o ano de 1987 como base. A estimação do processo de transição F necessita de especificações a priori para ϑ e P. A partir de então, é iniciado o processo de otimização, utilizando o Interative Proportional Fitting Procedure (IPFP), gerando as matrizes F adj e P adj. Assumiu-se um ϑ = q 1987, ou seja, uma distribuição arbitrária igual a proporção de indivíduos por estrato de renda no ano inicial. Já a construção da matriz P baseou-se na seguinte suposição: o indivíduo só poderá se mover para os estratos imediatamente superior ou inferior ao seu estrato de origem a cada ano. 21 Por exemplo, uma pessoa que pertença ao segundo decil, em 1987, só poderá transitar para o primeiro ou para o terceiro decil em Matrizes com esta propriedade são conhecidas como 3-band. 22 Desta forma, a especificação inicial para a densidade bi-dimencional será: F 1 = diag(q 1987 )P3band Considere dois casos extremos: a) ε = 1 inexistem economias de escala e; b) ε = 0 existem economias de escala, ou seja, é possível que um número infinito de indivíduos possa viver igualmente bem em um dado domicílio. 20 Covém ressaltar que foram testados outros valores para ε. No entanto, não se observaram grandes mudanças nos resultados. 21 Outra alternativa pode ser encontrada em Tauchen (1986). 22 Uma matriz será (2y + 1)-band se seus elementos a ij = 0, quando i j > y. 14

15 4.2. A Dinâmica da Renda Brasileira A Tabela 4.1 apresenta a proporção de indivíduos por decil de renda nos anos de 1987 e Em primeiro lugar, observa-se que a transição entre os dois períodos foi favorável aos estratos intermediários (3 a 8). Este movimento foi acompanhado pelo aumento da renda média (cerca de 2,10%) e pela redução da desigualdade (índice de Gini). Figueirêdo e Ziegelmann (2006) utilizam ferramentais estáticos que comprovam a significância estatística desta alteração e sua compatibilidade com um cenário de maior bem-estar econômico. Entretanto, não obstante à importância destes resultados, o que se pode afirmar em termos da dinâmica da renda neste período? Tabela 4.1: Percentual de Pessoas por decis de Renda Decis de Renda Anos [1] 10,00 5,75 [2] 10,00 7,91 [3] 10,00 10,48 [4] 10,00 13,39 [5] 10,00 12,14 [6] 10,00 11,82 [7] 10,00 10,55 [8] 10,00 10,05 [9] 10,00 8,91 [10] 10,00 9,01 Renda média 840,09 857,67 Gini 0,577 0,542 Fonte: Dados da pesquisa. O ponto de partida para a elucidação deste questionamento é estabelecido na Tabela 4.2, que representa a matriz de transição markoviana para os 18 anos de mobilidade no Brasil. Note que a soma das probabilidades contidas em cada linha da matriz é igual a um ( k j=1 p i,j = 1). A análise deste resultado é similar à realizada com uma matriz hipotética na seção 2. Observa-se que o indivíduo que encontrava-se no primeiro decil, em 1987, possui as seguintes probabilidades de transição: 28,0% de permanecer no mesmo patamar; 30,7% de migrar para o segundo decil; 21,0% de transferir-se para o terceiro; 12,1% de passar para o quarto e; probabilidades decrescentes e inferiores a 5% a partir do 15

16 quinto decil. Ou seja, o fato de pertencer aos 10% mais pobres, no ano inical, é preponderante para que o indivíduo não atinja o topo da distribuição no ano final. Tabela 4.2: Matriz de Transição Markoviana [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [1] 0,280 0,307 0,210 0,121 0,048 0,021 0,009 0,003 0,001 0,000 [2] 0,183 0,228 0,216 0,172 0,093 0,056 0,031 0,016 0,005 0,000 [3] 0,068 0,118 0,190 0,214 0,151 0,113 0,076 0,048 0,019 0,003 [4] 0,026 0,062 0,141 0,201 0,171 0,149 0,114 0,084 0,042 0,010 [5] 0,010 0,034 0,102 0,175 0,173 0,165 0,140 0,114 0,067 0,020 [6] 0,004 0,020 0,075 0,152 0,165 0,173 0,152 0,135 0,089 0,035 [7] 0,002 0,013 0,056 0,129 0,155 0,169 0,160 0,150 0,111 0,055 [8] 0,001 0,007 0,038 0,102 0,134 0,159 0,159 0,163 0,140 0,097 [9] 0,000 0,002 0,018 0,060 0,093 0,124 0,139 0,165 0,187 0,212 [10] 0,000 0,000 0,003 0,015 0,030 0,052 0,076 0,125 0,230 0,469 Fonte: Dados da pesquisa. O comportamento do décimo decil é similar ao do primeiro só que de uma forma inversa, isto é, quem pertencia a este estrato, em 1987, possui uma probabilidade pequena de migrar para os estratos mais baixos da distribuição. Outro ponto de destaque é que, à excessão dos 20% mais pobres e dos 20% mais ricos ((1-2) e (9-10)), as probabilidades de transição mostramse sempre superiores a 10% no meio da distribuição (números em negrito), configurando um movimento favorável aos estratos intermediários. Algumas informações relacionadas a matriz de transição podem ser observadas na Tabela 4.3. A primeira, representada pelo valor da entropia relativa, refere-se à distância entre os processos estimado e verdadeiro. O valor de 0,137 sugere um bom grau de ajustamento, dado que o ínfimo para esta medida é igual a zero (ver fórmula (3.5)). A velocidade de convergência para a cadeia de Markov de equilíbrio é relativamente alta. Esta constatação é formulada a partir da observação do valor da meia vida para o processo (h = 1, 495). De acordo com Shorrocks (1978), uma estrutura que apresente uma mobilidade perfeita possui uma convergência plena em apenas um período (h 0), convergências mais lentas são associadas a grandes valores para a meia vida (h ). Outra importante característica pode ser captada a partir do quadrado do segundo autovalor da matriz (θ2 2 = 0, 396). Para Theil (1972), este indicador representa a imperfeição da mobilidade. 16

17 Tabela 4.3: Informações Relativas à Matriz de Transição Informações Valores Entropia Relativa 0,137 Meia Vida (h) 1,495 θ2 2 0,396 Índice M P 0,864 Índice M D 0, 933 Índice M L 0,371 Fonte: Dados da pesquisa. * α = 1. Por fim, destacam-se os valores dos índices de mobilidade. Foram calculadas as medidas (3.9), (3.10) e (3.11). A magnitude destes resultados torna-se clara quando comparadas com os valores internacionais. A Tabela 4.4 apresenta alguns índices para países desenvolvidos e em desenvolvimento. Nota-se que o Brasil apresenta um dos menores índices de mobilidade, sendo superior apenas ao indicador colombiano. Tabela 4.4: Mobilidade de Renda Internacional Países Índice M L Chile 0,655 China 0,652 Peru 0,539 EUA 0,478 Alemanha 0,473 Malásia 0,373 Colômbia 0,229 Fonte: Gottschalk (1997), Birchenall (2001) e Fields (2001). Este resultado indica que a estrutura social brasileira ainda apresenta uma relativa rigidez. Ou seja, o estrato de renda, no qual o indivíduo está inserido, será determinante para a sua posição social futura. Ou de uma forma equivalente, observa-se uma alta dependência intrageracional, que retrata o quanto a renda do indivíduo no tempo t pode interferir na sua renda em t + 1. Exemplificando, um agente econômico, pertencente aos 10% mais pobres, possuirá uma probabilidade muita baixa de, com o tempo, ascender socialmente, passando a habitar os estratos superiores da distribuição. Tal comportamento mostra-se coerente aos resultados relacionados à dependência intergeracional, isto é, o papel da renda dos pais sobre a determinação da renda dos filhos. Esta afirmação é corroborada pelo estudo 17

18 de Ferreira e Veloso (2006) que, utilizando os dados da PNAD referentes ao ano de 1996, detectou uma baixa mobilidade intergeracional no Brasil. Isto é, os salários dos pais tendem a ser transferidos para os filhos em uma magnitude superior ao observado em países desenvolvidos. Entretanto, o estudo de Figueirêdo, Netto Junior e Pôrto Junior (2007) demonstra que, mesmo em patamares inferiores ao das nações desenvolvidas, é inegável o aumento da mobilidade intergeracional brasileira nos últimos anos. Em resumo, os autores mensuram esta mobilidade a partir do efeito da escolaridade dos pais sobre a escolaridade dos filhos. Seus resultados apontam para uma redução significativa desta influência no período de 1987 a Em suma, a mobilidade educacional sobe de 0,493, em 1987, para 0,550, em 2003, indicando que o nível de instrução dos pais interfere cada vez menos no nível de instrução dos filhos. No entanto, antes de apontar uma conclusão, um ponto deve ser destacado: o período selecionado para a construção da matriz de transição, 1987 a 2005, compreende uma fase de intensa modificação nas relações brasileiras internas e externas. Tais alterações podem ser sumarizadas pelo controle da inflação e a conseqüente estabilidade econômica, criando condições favoráveis para a implementação dos programas de transferência de renda e; pela abertura comercial e a resultante alteração nas estruturas de qualificação e de salário dos trabalhadores. Os efeitos destas transformações sobre os elementos estáticos da distribuição de renda já foram discutidos, respectivamente, por Neri (2006) e Figueirêdo, Netto Junior e Pôrto Junior (2007). O que se quer destacar é que a consideração de um período tão heterogêneo pode viesar os resultados relativos ao cálculo da mobilidade. Com vistas a contornar este possível problema, foi estimada uma matriz de transição, considerando somente o pós-plano Real (1995 a 2005). Neste caso, a densidade bi-dimencional que dá inicio ao processo de otimização será: F 2 = diag(q 1995 )P3band 10. Os resultados deste experimento encontram-se nas Tabelas A.1 e A.2 em anexo. Foram detectadas algumas mudanças nas probabilidades de transição, uma menor velocidade de convergência para a cadeia de Markov de equilíbrio e uma maior imperfeição na mobilidade. Entretanto, os índices de mobilidade, embora inferiores aos da Tabela 4.3, não sofrem alterações expressivas, indicando que a base selecionada não possui efeito considerável na construção da matriz. Logo, conclui-se que o Brasil apresenta uma estrutura de mobilidade de renda relativamente rígida, seja ela nos âmbitos intrageracional ou intergeracional. Grosso modo, o movimento dos agentes econômicos está se dando em direção aos estratos intermediários da distribuição. Este comportamento mostra-se coerente com os resultados estáticos contidos em Figueirêdo e 18

19 Ziegelmann (2006), Neri (2006) e Figueirêdo, Netto Junior e Pôrto Junior (2007). Um dos argumentos centrais destes estudos é que este movimento sugere uma melhora na estrutura distributiva e indica que as transformações, embora lentas, continuam em curso, rumando para uma situação caracterizada pelo maior nível de bem-estar social. Entretanto, embora a mobilidade faça parte deste contexto, esta conclusão não pode ser estendida para os resultados dinâmicos, dado que a abordagem axiomática, aqui utilizada, não estabelece um vínculo explícito com a teoria do bem-estar econômico. 5. Considerações Finais Este estudo buscou mensurar o grau de mobilidade de renda no Brasil no período de 1987 a Para tanto, utilizou-se a abordagem axiomática da mobilidade, conduzindo o estudo aos cálculos da matriz de transição markoviana e dos respectivos índices de mobilidade. Devido a limitações relacionadas ao banco de dados, mais especificamente, à ausência de informações relativas a cada indivíduo (ou família) ano a ano, optou-se pela implementação de um método de inferência baseado no cálculo de entropias relativas. O processo de estimação considerou dois períodos ( e ), como uma forma de isolar possíveis vieses relacionados às transformações observadas na primeira metade da década de 1990 (grosso modo, o processo de abertura comercial e a implementação do Plano Real). Os resultados sugerem que o Brasil apresenta uma baixa mobilidade intrageracional de renda, indicando que a sua estrutura social apresenta uma relativa rigidez. Ou seja, o estrato de renda, no qual o indivíduo está inserido, será determinante para a sua posição social futura. Esta conclusão foi mantida tanto para a estimação relativa a todo o período ( ), quanto na inferência relacionada ao período pós-plano Real ( ), indicando que a base selecionada não possui efeito considerável na construção da matriz. No que se refere ao movimento observado na distribuição, detectou-se um incremento dos estratos intermediários em detrimento de suas caudas. Este resultado está em consonância com as evidências estáticas, que apontaram não só este movimento, como também a sua influência sobre a elevação do nível de bem-estar social em tempos recentes. Entretanto, embora a mobilidade de renda seja uma parte deste fenômeno, as evidências estabelecidas neste estudo não são suficientes para fornecer uma conexão formal entre a dinâmica da renda e a teoria econômica do bem-estar. Neste sentido, não obstante a importância do estabelecimento do grau de mobilidade no Brasil, uma pergunta fica sem resposta: será que o grau de mobilidade, mensurado a partir de uma abordagem axiomática, é condizente com um maior padrão de bem-estar econômico? 19

20 6. Referências [1] ADELMAN, I.; MORLEY, S.; SCHENZER, C.; WARNING, M. Estimating income mobility from census data. Journal of Policy Modeling, v. 16, [2] AEBI, R.; NAGASAWA, M. Large deviations and propagation of chaos for Schrödinger processes. Probability Theory and Related Fields, v. 94, [3] AEBI, R. Schrödinger s time-reversal of natural laws. The Mathematical Intelligencer, v. 18, [4] AEBI, R. Contingency tables with prescribed marginals. Statistical Papers, v. 38, [5] AEBI, R.; NEUSSER, K.; STEINER, P. Evaluating theories of income dynamics: a probabilistic approach. University of Berne: Working paper, [6] AEBI, R.; NEUSSER, K.; STEINER, P. Improving models of income dynamics using cross-section information. University of Berne: Working paper, [7] ATKINSON, Anthony B. The measurement of income mobility. In: ATKIN- SON, Anthony B. (ed). Essays in Honor of Jan Pen. Brighton: Wheatsheaf, [8] ATKINSON, Anthony B.; BOURGUIGNON, F. The comparison of multidimensional distributions of economic status. Review of Economic Studies, v. 49, [9] ATKINSON, Anthony B.; RAINWATER, L.; SMEEDING, T. Income distribution in OECD countries: evidence from the Luxembourg income study (LIS). Organization of Economic Co-operation and Development [10] BARROS, Ricardo P.; HENRIQUES, R.; MENDONÇA, R. A estabilidade inaceitável: desigualdade e pobreza no Brasil. IPEA: Texto para dicussão n. 800, [11] BARTHOLOMEW, D. Stochastic models for social processes. New York: Wiley, [12] BICKENBACH, F.; BODE, E. Markov or not Markov: this should be a question. European Regional Science Association: ERSA conference papers, [13] BIRCHENALL, Javier A. Income distribution, human capital and economic growth in Colômbia. Journal of Development Economics, v. 66, [14] BURKHAUSER, Richard V.; CUTTS, Amy C.; DALY, Mary C.; JENKINS, Stephen P. Testing the significance of income distribution changes over the 1980s business cycle: a cross-national comparison. Journal of Applied Econometrics, v. 14,

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23 ANEXOS Tabela A.1: Matriz de Transição Markoviana [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [1] 0,357 0,293 0,195 0,088 0,038 0,018 0,008 0,002 0,001 0,000 [2] 0,247 0,232 0,214 0,133 0,078 0,049 0,029 0,014 0,004 0,000 [3] 0,100 0,129 0,203 0,180 0,138 0,108 0,076 0,045 0,019 0,002 [4] 0,039 0,070 0,155 0,174 0,162 0,147 0,118 0,082 0,045 0,008 [5] 0,016 0,039 0,113 0,153 0,166 0,165 0,147 0,112 0,072 0,017 [6] 0,007 0,024 0,084 0,134 0,159 0,173 0,160 0,133 0,096 0,030 [7] 0,003 0,014 0,063 0,113 0,150 0,170 0,170 0,148 0,120 0,049 [8] 0,001 0,008 0,043 0,090 0,130 0,160 0,169 0,161 0,152 0,086 [9] 0,000 0,003 0,020 0,053 0,091 0,126 0,149 0,165 0,205 0,188 [10] 0,000 0,000 0,003 0,014 0,031 0,055 0,083 0,127 0,257 0,430 Fonte: Dados da pesquisa. Tabela A.2: Informações Relativas à Matriz de Transição Informações Valores Entropia Relativa 0,117 Meia Vida (h) 1,685 Índice M P 0,860 θ2 2 0,439 Índice M D 0, 930 Índice M L 0,337 Fonte: Dados da pesquisa. * α = 1. 23

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